Capítulo segundo: põe-te no seu lugar

"(...) Vejamos: que conheces tu que seja melhor do que se -se amado? Quando alguém quer dinheiro, ou poder, prestígio...não lhe apetecerão essas riquezas para poder comprar metade aquilo que alguém quando é amado recebe de graça? E quem me pode amar verdadeiramente senão outro ser como eu, que funcione como eu, que me queira enquanto ser humano... e apesar disso mesmo? Bicho nenhum por mais afectuoso que seja, me pode dar tanto como outro ser humano, ainda que se trate de um ser humano algo antipático. (...) Levares o outro a sério, quer dizer, seres capaz de te podes no lugar dele, aceitando praticamente que ele é tão real como tu próprio, não significa que devas dar-lhe sempre razão naquilo que ele reclama ou naquilo que faz. Nem tão-pouco que, considerando- tão real como tu próprio  semelhante a ti, devas comportar-te como se um e outro fossem idênticos. (...) Sem dúvida que nós, seres humanos somos todos semelhantes; sem dúvida, seria magnifico que viéssemos a ser iguais (...), mas não somos nem temos que nos esforçar por ser idênticos. Seria, mais do que um enorme tédio, uma tortura generalizada! Pores-te em lugar do outro é fazeres um esforço de objectividade e tentares ver as cosias como ele as vê, não é deixares o outro ocupar o teu lugar... Ou seja, ele deve continuar a ser ele e tu deves continuar a ser tu. (...) A vida é demasiado complexa e subtil, as nossas pessoas são demasiado diferentes, as situações são excessivamente variadas, por vezes demasiado íntimas, para que tudo possa ter lugar nos tratados de jurisprudência. Do mesmo modo que ninguém pode ser livre em teu lugar, também é certo que ninguém pode ser  justo por ti, se não te deres conta de que deve sê-lo para viveres bem. Para entenderes completamente o que o outro pode esperar de ti não tens outro remédio se não amá-lo um pouco ainda que se trate de amá-lo somente por ele ser também humano... e este pequeno mais importantíssimo amor é algo que não pode ser importo por nenhuma lei instituída. Quem vive bem deve ser capaz de uma  justiça simpática, ou de uma justa compaixão."


in Ética para um Jovem; Fernando Savater

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